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Ponto de Vista

Dois Brasis: segurança, política e a disputa por narrativas após a chacina no Rio.


Foto: UOL.


Após mais uma chacina no Rio de Janeiro — que deixou dezenas de mortos nas comunidades da Penha e do Alemão — o país voltou a assistir à reprodução de um enredo que mistura violência, disputa política e desigualdade social. Às vésperas de um ano eleitoral, os gestos públicos de governadores de direita e deputados de esquerda revelam, de forma quase simbólica, a existência de dois Brasis: o da repressão e o da empatia, o das câmeras e o do contato direto com o povo.

De um lado, governadores aliados da direita se reuniram em uma coletiva de imprensa para defender as operações policiais e reforçar o discurso da “guerra ao crime”. Falas sobre “enfrentar o tráfico”, “recuperar o controle do território” e “proteger o cidadão de bem” dominaram o tom, como se a letalidade policial fosse um preço aceitável pela segurança. Esse grupo político, historicamente identificado com políticas de endurecimento penal, aposta na narrativa da força como resposta ao medo e à insegurança. No entanto, ignora o fato de que as comunidades atingidas são majoritariamente formadas por trabalhadores, mães, jovens e crianças que vivem sob o fogo cruzado entre o Estado e o crime.

Do outro lado, deputados de esquerda caminharam pelos becos e vielas das mesmas comunidades, ouviram familiares das vítimas e denunciaram as violações de direitos humanos. Mais do que uma visita simbólica, o gesto representou um contraponto político e ético: a tentativa de humanizar as estatísticas e expor as consequências de uma política de segurança baseada quase exclusivamente em operações armadas. Essa postura, embora muitas vezes tachada de “populista” pelos adversários, revela uma preocupação com a vida — algo que deveria ser o ponto de partida de qualquer gestão pública.

O contraste entre essas duas posturas — a coletiva palaciana e a visita comunitária — escancara os dois projetos de país em disputa. Um que enxerga o morro como território inimigo, e outro que reconhece o morador como cidadão. Um que aposta no espetáculo policial, e outro que insiste na presença social do Estado. Em ano pré-eleitoral, cada gesto é calculado, mas nem por isso deixa de ser revelador: a direita busca reforçar sua base pelo medo; a esquerda tenta reconstruir pontes pela solidariedade.

Entre esses dois Brasis, o que segue esquecido é o povo das favelas, que há décadas paga com o corpo e com o silêncio o preço da omissão e da indiferença. Enquanto a política transforma a tragédia em palanque, o Rio continua sendo o espelho mais nítido de um país dividido — não apenas entre esquerda e direita, mas entre quem tem o direito de viver e quem é tratado como alvo.


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